domingo, 23 de junho de 2013

PEC 37: ENTRE O CRIME E A IMPUNIDADE

Por José Augusto Simões Vagos
Procurador da República

Já são conhecidos os vários argumentos técnicos que contestam a tentativa de aprovação da PEC 37, que pretende estabelecer o monopólio da investigação criminal às Polícias Civil e Federal, encerrado na figura do delegado. E a sociedade está entendendo, tanto que ganhou as ruas para dizer não à impunidade, sim ao combate à corrupção. 

Chegada a hora de Promotores e Procuradores da República mostrarem o seu trabalho, porque a Sociedade e os próprios Parlamentares, muitas vezes, não têm a exata noção do papel e da importância de um órgão com autonomia e independência para investigar, quando essa iniciativa se mostra a única viável. A aproximação entre o Ministério Público e o Parlamento é benéfica para a sociedade, que ambos representam, cada um em sua esfera constitucional. Ouvi de um respeitado Senador, recentemente, havia dois tipos de políticos que desejariam aprovar a PEC: os que não conhecem o MP e os que o conhecem muito bem e querem vê-lo longe das investigações, dependente dos inquéritos policiais (entenda-se: submisso à vontade do Poder Executivo).

O Procurador-Geral da República já deu o exemplo de como uma investigação própria e independente executada pelo Ministério Público pode fazer a diferença, no caso do “Mensalão”. 

Como Procurador da República vou fazer meu papel com um breve testemunho de um caso dentre diversos, espero que isso estimule meus colegas a fazerem o mesmo, já que exemplos não faltam. Em 2006 nós (MPF) requisitávamos, com base nas informações que recebíamos, até pelos jornais, que a PF instaurasse inquéritos e "estourasse" bingos clandestinos com caça-níqueis. Invariavelmente a equipe de policiais que comparecia aos locais já não encontrava mais nada: bingo fechado. Isso porque a informação vazava. Sabido ficou, depois, que havia policiais federais, civis e militares cooptados pelo esquema administrado pelos nossos famosos megacontraventores. Os inquéritos não davam em nada e não era por prevaricação da autoridade policial responsável pela sua condução. Com a investigação aberta no MPF, levantamos todos os bingos da capital do RJ, quadro social, os que funcionavam com fachada simulada fechavam só na hora que a PF chegava etc. De forma sigilosa, obtivemos na Justiça dezenas de mandados de busca e apreensão em todos eles. Com os mandados na mãos, fomos ao Diretor Geral da PF em Brasília e à Receita Federal, e, com apoio da Marinha, deflagramos o que a PF veio a apelidar depois de “Operação Ouro de Tolo” (que foi iniciada por investigação absolutamente indispensável por parte do MPF). Foram mais de 5,2 mil caça-níqueis apreendidos e R$ 5 milhões arrecadados dos bicheiros e revertidos em favor da União. Depois, todos foram denunciados. Se a PEC estivesse aprovada na época jamais teríamos feito isso, porque não poderíamos ter instaurado uma investigação pelo MPF.

Muitas vezes, um detalhe faz toda a diferença entre o crime e a impunidade. Esse detalhe, obviamente, tem mais chances de aparecer quanto mais órgãos do Estado, e até cidadãos, tenham a atribuição e o dever de investigar, contestar, perquirir, vigiar etc. Não é e nem poderia ser o Ministério Público dono da verdade, acima do bem e do mal. É mais uma instituição de controle social, importante e necessária, tendo em vista a sua formatação constitucional. A sociedade brasileira está percebendo isso e tem demonstrado, cada vez mais, que confia no Ministério Público, franqueando-lhe o seu total apoio.

O mais importante é proatividade em busca da elucidação de crimes e união de esforços nos momentos certos, não o monopólio da investigação, que não tem um fim em si, mas objetiva arrecadar elementos aptos a justificar futura ação penal pelo Ministério Público. A criminalidade é dinâmica, os fatos criminosos sobejam, os inquéritos policiais (federais) tem um baixíssimo nível de solução, porque a estrutura é precária e não dá para investigar tudo. Há seleção pelo MP de casos que "dão holofotes"? Evidente que NÃO! Há seleção dos casos mais importantes. A PF também prioriza, e deve priorizar, os inquéritos mais importantes. São, de fato, os mais caros à sociedade, são os que envolvem, por exemplo, crimes de colarinho branco e corrupção. É ingenuidade ou hipocrisia dizer que todas as investigações recebem o mesmo tratamento, num país com estrutura e recursos limitados. Agora, se essa seleção teve qualquer outro fim, seja partidário ou pessoal, que se puna o agente público responsável, seja do MP ou da PF.

Lembrando esses fatos, vejo como é difícil defender o monopólio da investigação pela Polícia especialmente num Estado como o RJ, onde, há poucos anos, o então chefe de Polícia Civil foi preso e processado por lotear delegacias e negociar inquéritos com bicheiros (operações “Gladiador” e “Segurança Pública AS”), repetindo uma promiscuidade que veio à tona na década de 80 com o estouro da Fortaleza de Castor de Andrade pelo MP estadual. Espero que as Polícias sejam valorizadas e paguem melhores salários, mas não a esse preço. 

Graças à sociedade, que tem mostrado sua força nas ruas, que a PEC 37 seja, a partir do bom senso do Legislativo, representante da vontade do povo, apenas uma lembrança do passado, de onde nunca deveria ter saído.


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