Ailton Benedito de Souza*
Clarisier Azevedo Cavalcante de Morais**
Douglas Santos Araujo***
INTRODUÇÃO
Tramita no Senado da República o PLS
nº 193/2016, de autoria do Senador Magno Malta, cuja finalidade é incorporar à
lei federal nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) o Programa Escola Sem Partido[1],
defendido pelo Movimento Escola Sem
Partido[2].
A propósito, o site do Senado na internet
promove consulta pública sobre o referido PLS, a qual tem mobilizado amplos
setores da sociedade a favor da incorporação Programa Escola Sem Partido no ordenamento jurídico. A repercussão
é tanta, que, segundo notícia veiculada no portal
do jornal Estado de Minas, até o
dia 22 de julho de 2016, a mencionada consulta já teve a participação de mais
de 330 mil opiniões, um recorde, desde a criação dessa ferramenta. A segunda
proposta com mais participação, que trata da reformulação do Ato Médico,
teve 183.597 manifestações[3].
A extraordinária participação social
na mencionada consulta pública demonstra a incontestável pertinência do Programa Escola Sem Partido e do citado
PLS, por conseguinte, do necessário debate sobre o aparelhamento
político-partidário de órgãos e instituições de ensino no Brasil.
No entanto, a despeito da atualidade
do tema, percebe-se que os adversários do Programa
Escola Sem Partido, aproveitando-se dos seus lugares sociais, orgânicos e
políticos, movem alucinada guerra partidária contra o Programa e contra
cidadãos e organizações sociais que o defendem, com a finalidade de
constrangê-los, quiçá, silenciá-los, e, desse modo, impedir o debate público
sobre o assunto.
Portanto, o escopo, aqui, é tratar de
aspectos constitucionais e legais do Programa
Escola Sem Partido, considerando seu conteúdo, seus objetivos e a
pertinência da sua incorporação expressa ao ordenamento jurídico.
O PROGRAMA
ESCOLA SEM PARTIDO
Malgrado os inimigos do Programa Escola Sem Partido e do PLS nº
193/2016 sejam do tipo que concebem subjetivamente o texto da Constituição e
das Leis como mero ato de sua vontade,
pura criação das suas mentes
privilegiadas, ou seja, o texto
normativo sendo apenas aquilo que eles dizem que é, absolutamente desligado
do seu conteúdo; é certo que a interpretação válida da realidade deve partir
dessa substância e dos seus acidentes, não de oráculos luminosos, ainda que
pretensamente laicos. Isso vale também para o tema em discussão.
Assim, a compreensão do Programa Escola Sem Partido deve partir
da substância da sua proposta, do que ela efetivamente é, não do que seus
opositores, frisa-se, imaginam e afirmam que seja para lhes facilitar a
manipulação político-partidária, consoante os estratagemas erísticos usados para vencer um debate sem precisar ter
razão[4].
Não obstante o que supõem e manipulam
eristicamente seus adversários, voltados exclusivamente à imposição da sua
visão de mundo político-partidária, qual é a substância do Programa Escola Sem Partido?
Eis a resposta na própria identidade
do Movimento Escola Sem Partido:
“Numa
sociedade livre, as escolas deveriam funcionar como centros de produção e
difusão do conhecimento, abertos às mais diversas perspectivas de investigação
e capazes, por isso, de refletir, com neutralidade e equilíbrio, os infinitos
matizes da realidade.
No Brasil, entretanto, a despeito da mais ampla liberdade, boa parte das
escolas, tanto públicas, como particulares, lamentavelmente já não cumpre esse
papel. Vítimas do assédio de grupos e correntes políticas e ideológicas com
pretensões claramente hegemônicas, essas escolas se transformaram em meras
caixas de ressonância das doutrinas e das agendas desses grupos e dessas
correntes.”[5]
A par da essência do Movimento Escola Sem Partido, são
apresentados os seus objetivos:
“1)
descontaminação e desmonopolização política e ideológica das escolas
Sabemos que o conhecimento é
vulnerável à contaminação ideológica e que o ideal da perfeita neutralidade e
objetividade é inatingível. Mas sabemos também que, como todo ideal, ele pode
ser perseguido. Por isso, sustentamos que todo professor tem o dever ético e
profissional de se esforçar para alcançar esse ideal.
Paralelamente, é fundamental que as escolas adotem medidas concretas para
assegurar a diversidade de perspectivas ideológicas nos seus respectivos corpos
docentes. Afinal, em matéria de conhecimento, o pior dos mundos é o do
monopólio ideológico.
2) respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes
Na sala de aula, o professor é a autoridade máxima. Os alunos devem
respeitá-lo e obedecê-lo. Por isso, não é ético que o professor se aproveite
dessas circunstâncias – isto é, da
situação de aprendizado – para “fazer a cabeça” dos alunos.
3) respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação moral
que esteja de acordo com suas próprias convicções
Esse direito é expressamente previsto na Convenção Americana de Direitos
Humanos. A abordagem de questões morais em disciplinas obrigatórias viola esse
direito. Daí a necessidade de que os conteúdos morais sejam varridos das
disciplinas obrigatórias e concentrados numa única disciplina facultativa, a
exemplo do que ocorre com o ensino religioso.”[6]
Logicamente, esses objetivos são de
validade e clareza solar. Entretanto, apesar disso, os opositores do Movimento Escola Sem Partido insistem,
embora dissimuladamente: 1) na contaminação e monopolização política e
ideológica das escolas; 2) no desrespeito à integridade intelectual e moral dos
estudantes; e 3) no desrespeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a
educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Verifica-se, pois, indisfarçável
fraude lógica perpetrada pelos inimigos do Movimento
Escola Sem Partido, a não ser que se admitisse que eles pudessem ligar o
seu modo de raciocínio duplipensante
orwelliano[7]
e lhes fosse logicamente válido: ser contrários e favoráveis à descontaminação
e à desmonopolização política e ideológica nas escolas; ser contrários e
favoráveis ao respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes; ser
contrários e favoráveis ao direito dos pais de darem aos seus filhos a educação
moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. Não, definitivamente!
Não se pode conceber que os adversários da Escola
Sem Partido, agindo em prol da partidarização política do sistema de
ensino, possam contrafazer, dissimular, enganar estudantes, famílias, sociedade
e, até mesmo, os dignos professores, os quais, de boa-fé, também são vítimas.
Contudo, eis o que os opositores do Movimento Escola Sem Partido almejam
para si: a franquia absoluta para continuar usando órgãos, instituições de
ensino, bem como seus profissionais, até os professores, para continuar impondo
sua visão de mundo aos estudantes, desde a pré-escola até a universidade, sem
qualquer espécie de contestação da cidadania, como se a sua visão de mundo
fosse a própria verdade revelada, apesar de alegadamente laica.
LICITUDE DO PROGRAMA
ESCOLA SEM PARTIDO
Os inimigos do Movimento Escola Sem Partido, que se convolam automaticamente a
ferrenhos adversários do Programa Escola
Sem Partido, querem fazer crer que seu conteúdo se consubstancia novidade
ilícita no ordenamento jurídico; como se não existissem normas impositivas aos
órgãos e instituições de ensino, bem como aos seus profissionais, inclusive
professores, prescrevendo-lhes condutas coerentes, sem dúvida, com a substância
da proposta do mencionado Programa.
É fundamental ao Programa Escola Sem partido a neutralidade político-partidária de
órgãos, instituições e profissionais de ensino, com destaque para os
professores no exercício de suas funções. Aqui, preconiza-se, com segurança,
que tal neutralidade significa que aqueles agentes – o que vale também para o
material didático – não podem usar as franquias catedráticas para impor,
conquanto disfarçadamente, uma determinada visão de mundo político-partidária
ou sonegar aos alunos a existência de visões distintas.
Destaca-se que a neutralidade não
impede a discussão e a crítica, na escola, de temas concernentes à política,
aos direitos humanos, às minorias etc. Pelo contrário, funciona como
imprescindível anteparo defensivo ao professor, garantindo-lhe a liberdade de
cátedra, independentemente de pressões de agrupamentos político-partidários que
estejam, contingencialmente, à frente do Poder Público. No âmbito da liberdade
de cátedra, a liberdade de ensino tem contraparte equivalente na liberdade de
aprendizado: esta que confere ao aluno o direito subjetivo de receber da escola
o conteúdo de conhecimento apto à sua formação e ao seu pleno desenvolvimento
individual, social e cultural, à luz da complexidade do mundo e das diversas
visões.
Essa realidade é diametralmente
contrária ao que opositores da Escola Sem
Partido teimam deliberadamente em perceber. Atualmente, já existem normas
na Constituição Federal, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no
Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais tanto os
órgãos e as instituições de ensino quanto seus profissionais, especialmente
professores, têm o dever de respeitar, com o intuito de se impedir politização
partidária do ensino.
Com efeito, a descontaminação e desmonopolização
política e ideológica das escolas; o respeito à integridade intelectual e moral
dos estudantes e o respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a
educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções já estão
respaldados na liberdade de consciência e de crença e na liberdade de aprender
dos alunos, nos termos da Carta da República, artigo 5º, incisos VI (é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias) e VIII
(ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei); e artigo 206, inciso II (O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber).
Sustentam-se, ainda, no princípio
constitucional da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado,
forte na Constituição Federal, artigos 1º, inciso V (pluralismo político); 5º, caput
(Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade); 14, caput (A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos); 17, caput (É livre a criação,
fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana); 19 (É vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer
cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar
fé aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou
preferências entre si); 34, VII, 'a' (A
União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: assegurar
a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo
e regime democrático); e 37, caput
(A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência).
Alicerçam-se, também, no pluralismo
de ideias concepções pedagógicas, consoante a Carta Magna, artigo 206, inciso
III (O ensino será ministrado com base
nos seguintes princípios: pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino).
Além das normas constitucionais,
tem-se que, infraconstitucionalmente, o direito dos pais dos alunos sobre a
educação religiosa e moral dos seus filhos encontra base na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, artigo 12, inciso IV (Liberdade de consciência e de religião: os pais, e quando for o caso os tutores, têm
direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que
esteja acorde com suas próprias convicções).
Como se não bastasse, observa-se a
prerrogativa dos pais de dirigir a criação e educação dos seus filhos,
consoante o poder familiar estabelecido no Código Civil, artigo 1.634, inciso I
(Compete a ambos os pais, qualquer que
seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste
em, quanto aos filhos: dirigir-lhes a criação e a educação).
Ratificando o poder familiar e
fortalecendo-o, a partir da perspectiva dos direitos da criança e do adolescente
à educação, a lei federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA), resguarda a prerrogativa dos pais de dirigir a educação dos filhos:
artigo 22, (Aos pais incumbe o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais; artigo 53, incisos I ao V (A
criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação
para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às
instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em
entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua
residência). Outrossim, o artigo 53, parágrafo único, atribui à família
protagonismo na condução do ensino escolar dos seus filhos (É direito dos pais ou responsáveis ter
ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas
educacionais)
Por conseguinte, a despeito da
contrafação argumentativa, da dissimulação dos seus objetivos e do engodo perpetrado
pelos seus inimigos, compreende-se que a substância do Programa Escola Sem Partido já se afigura ancorada normativamente
no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, a ausência de regras que
tipifiquem explicitamente as condutas consentâneas com o arcabouço
constitucional, legal e comunitário acima enunciado acaba por inibir a
efetividade da normativa retrocitada.
Nessa linha de argumentos, a
instituição normativa do Programa Escola
Sem Partido visa não somente informar e conscientizar os estudantes,
famílias, professores, órgãos e instituições de ensino, como também regular os
seus direitos e deveres recíprocos, no que concerne à relação catedrática, e
permitir o exercício dos controles estatal, familiar e social das ações ou
omissões dos órgãos e instituições de ensino e dos professores, relativamente
ao cumprimento das sobreditas normas constitucionais e comunitárias, as quais,
repita-se, vedam a partidarização política do sistema de ensino.
PROJETO DE LEI FEDERAL QUE INSTITUI O PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO
No intuito de atribuir densidade
normativa ao Programa Escola Sem Partido,
incorporando-o expressamente ao ordenamento jurídico, tramita no Senado da
República o PLS nº 193/2016, de autoria do Senador Magno Malta.
Diferentemente do que costumam fazer
os seus adversários – os quais, para obter facilidade na propagação erística e
duplipensante dos seus objetivos político-partidários, em prol do não debate,
optam deliberadamente por sonegar das suas vítimas a substância das propostas
do Programa Escola Sem Partido e do sobredito PLS –, aqui se escolhe e valoriza
a clareza, a transparência, a verdade em benefício do efetivo debate, a que
fazem jus estudantes, famílias, sociedade, órgãos, instituições e profissionais
de ensino.
Nessa direção, calha a transcrição
literal do PLS nº 193/2016:
“Art.1º.
Esta lei dispõe sobre a inclusão entre as diretrizes e bases da educação
nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, do 'Programa
Escola sem Partido'.
Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:
I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;
III - liberdade de aprender e de ensinar;
IV - liberdade de consciência e de crença;
V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca
na relação de aprendizado;
VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos
em sua liberdade de consciência e de crença;
VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e
moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções.
Art. 3º. O Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos
nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o
natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com
a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a
aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero.
Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor:
I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os
seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias;
II - não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de
suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta
delas;
III - não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem
incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;
IV - ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas,
apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias,
opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
V - respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a
educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias
convicções;
VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam
violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
§ 1º As instituições de educação básica afixarão nas salas de aula e nas
salas dos professores cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei, com,
no mínimo, 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura, e fonte com
tamanho compatível com as dimensões adotadas.
§ 2º Nas instituições de educação infantil, os cartazes referidos no
caput deste artigo serão afixados somente nas salas dos professores.
Art. 5º. As escolas confessionais e as particulares cujas práticas
educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais,
religiosos ou ideológicos, deverão obter dos pais ou responsáveis pelos
estudantes, no ato da matrícula, autorização expressa para a veiculação de
conteúdos identificados com os referidos princípios, valores e concepções.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, as
escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes
material informativo que possibilite o pleno conhecimento dos temas ministrados
e dos enfoques adotados.
Art. 6º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio
serão informados e educados sobre os direitos que decorrem da liberdade de
consciência e de crença assegurada pela Constituição Federal, especialmente
sobre o disposto no art. 4º desta Lei.
Art. 7º. Os professores, os estudantes e os pais ou responsáveis serão
informados e educados sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente,
especialmente no que tange aos princípios referidos no art. 2º desta Lei.
Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal
de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao
descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.
Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão
ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos
interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.
Art. 9º. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:
I - às políticas e planos educacionais;
II - aos conteúdos curriculares;
III - aos projetos pedagógicos das escolas;
IV - aos materiais didáticos e paradidáticos;
V - às avaliações para o ingresso no ensino superior;
VI - às provas de concurso para o ingresso na carreira docente;
VII - às instituições de ensino superior, respeitado o disposto no art.
207 da Constituição Federal.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor no prazo de sessenta dias, a partir da
data de sua publicação.
ANEXO
DEVERES DO PROFESSOR
I - O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para
promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias.
II - O Professor não favorecerá
nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções
políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
III - O Professor não fará propaganda
político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de
manifestações, atos públicos e passeatas.
IV - Ao tratar de questões
políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de
forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais
versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
V - O Professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus
filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções.
VI - O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens
anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala
de aula.”
Haja vista a exposição, nos tópicos
retro, da licitude do Programa Escola Sem
Partido, albergado pelo sobredito PLS, cabe neste momento frisar,
sobretudo, o conteúdo do anexo do sobredito PLS, que trata dos deveres do
professor, em sala de aula, correlatos aos direitos dos alunos, das suas
famílias e da sociedade, de não se tornarem vítimas inertes e indefesas da
partidarização política do sistema de ensino.
De conseguinte, nos termos do Programa Escola Sem Partido e do citado
PLS, os órgãos e entidades de ensino devem informar os indigitados deveres do
professor, pelos meios adequados, inclusive, sublinhe-se, mediante afixação de
cartazes nas salas do professor e nas salas de aula. Porém, os adversários
dessa medida não se conformam. Esses almejam, de fato, desrespeitar as indigitadas
normas da Constituição Federal, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, do
Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente, transformando a sala de
aula em lugar inexpugnável e o que nela acontece em algo submetido ao
absolutismo do professor, como se a sua conduta profissional não devesse
sujeitar-se a diversos tipos de controles estatal, familiar e social.
PROGRAMA ESCOLA SEM
PARTIDO DEFENDE A
LIBERDADE DE CÁTEDRA
A comunicação racional consubstancia
o ser humano, é inerente à sua natureza de ser pensante. Dimensão da
comunicação humana é a liberdade de expressão, a qual foi erigida à categoria
direito individual fundamental pela Carta da República, artigo 5º, inciso IV (é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato).
Desta feita, aspecto relevante do Programa Escola Sem Partido, que merece
aprofundamento específico neste artigo, é a distinção entre liberdade de
expressão e liberdade de cátedra, sobretudo diante do aparelhamento
político-partidário de órgãos e instituições de ensino.
No regime dos direitos e das
garantias constitucionais, destacam-se: 1) liberdade econômica; 2) liberdade de
reunião e associação; 3) liberdade de circulação e locomoção; 4) liberdade de
consciência religiosa; 5) liberdade de informação comunicação e expressão; e 6)
liberdade de cátedra.
A liberdade de expressão caracteriza
o pensar livremente. Em cotejo com o livre pensamento, deve ser assegurada a
sua função instrumental consistente na possibilidade de escolha dos meios mais
adequados para transmitir o conteúdo do pensamento. A liberdade de expressão
integra, de forma indissociável, a natureza pensante do ser humano, aspecto da
sua autonomia individual. Significa dizer que se privilegia o homem como ser
soberano, o senhor de si, protegido contra a imposição de grilhões do pensamento.
No entanto, a liberdade de expressão,
assim como as demais, não é absoluta, uma vez o seu exercício encontra limites
na própria moldura normativa e funcional, que não permite o afastamento, puro e
simples, de outros direitos e garantias de igual estatura constitucional.
Portanto, é apenas aparentemente contraditório que a liberdade de expressão se
choque com outros direitos e garantias de mesma estatura, sobremodo com a
liberdade de expressão de que são titulares outros sujeitos, por si e nas suas
relações sociais. Destarte, o próprio ordenamento jurídico soluciona tal
aparente antinomia mediante o concurso de métodos próprios de interpretação e
concretização das normas constitucionais e legais.
Ressalte-se, outrossim, que exercício
de qualquer função pública ou privada não despe o seu titular da sua liberdade
de expressão, pelo que não decai do seu status
de pessoa titular de direitos e garantias individuais fundamentais.
Nessa perspectiva, a liberdade de
expressão é amplamente assegurada, também, ao indivíduo que exerce a função de
professor, nas suas atividades alheias à relação catedrática mantida com seus
alunos. Assim, pode ele desenvolver e enunciar o seu pensamento sobre os mais
variados temas, conforme lhe aprouver. A docência não impede, portanto, o
exercício de exercer atividades político-partidária, de escrever livros ou
artigos sobre qualquer assunto, de concorrer a cargos eletivos, de participar
de comícios e de manifestações públicas etc., conforme lhe agradar, respeitados
os direitos e garantias alheias.
Porém, no contexto da relação
catedrática entre aluno e professor, é preciso obtemperar o exercício dos
direitos e garantias fundamentais, inclusive as liberdades, com o exercício das
funções de magistério. Tal relação, em que pese seja constantemente permeada de
troca de saberes, entre professor e aluno, sob diversos aspectos, é de natureza
vertical do ponto de vista da autoridade máxima e hierarquia do docente dentro
de sala de aula, detentor do dever-poder de ministrar aula, regular e mediar
debates, fiscalizar normas de comportamento e de aprovar ou reprovar o aluno no
âmbito das instâncias de ensino. Como sói ocorrer nas relações hierárquicas, o
educando é a parte mais frágil na relação catedrática.
Destarte, a liberdade de cátedra –
que se define como liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber – não se confunde com a liberdade de expressão.
Aquela se encontra estampada no capítulo específico da Constituição Federal
referente à Educação, Cultura e Desporto, ao contrário da liberdade de
expressão, que está fincada entre as categorias dos direitos e garantias
individuais fundamentais.
O posicionamento topográfico
constitucional da liberdade catedrática é coerente, de forma a apartá-la dos
objetivos e propósitos da liberdade de expressão. Enquanto a liberdade de
expressão caracteriza o livre desenvolvimento do indivíduo como ser pensante, a
liberdade catedrática denota o livre ensino, aprendizado, pesquisa e divulgação
do conhecimento nos âmbitos escolar e acadêmico.
A par disso, a liberdade de ensino é
uma das dimensões da liberdade de cátedra. Por conseguinte, a liberdade de
ensino é bifronte porque só existe diante da liberdade de aprendizado. Em suma:
não há liberdade de ensino sem a liberdade de aprendizado e vice-versa. A
liberdade de expressão consubstancia direito individual, enquanto a liberdade
de ensino e de aprendizado é direito complexo de dupla titularidade, que se
perfaz na relação aluno-professor.
Nessa
direção, a Carta da República, artigo 205, enuncia os objetivos da educação (A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho). Tais objetivos
guardam correspondência com o exercício da função de professor. Noutras
palavras, a figura do professor é de natureza instrumental, funcionalizada à
concretização dos objetivos do processo educacional circunscritos na
Constituição da República.
Forte nessa disposição constitucional
e naquelas anteriormente aludidas, cuidando-se da relação professor-aluno,
mediante ponderação de valores em jogo, a liberdade de expressão deve ceder
lugar à liberdade de cátedra, quando menos, dois motivos: primeiro, a relação
de proeminência e de autoridade do professor, quando não observados os estritos
limites do ensino, pode subjugar ideias divergentes e, até mesmo, sonegar
informações e conhecimentos, restringindo ou impedindo a pluralidade de
pensamento e opinião em sala de aula. Segundo, os educandos, mormente na
educação básica, estão em processo de formação como sujeitos pensantes, não
tendo maturidade suficiente, em muitos casos, para desenvolver pensamento
crítico sobre os temas que lhes são apresentados.
Sobreleve-se que professor, como
sujeito titular de direitos individuais, continua detendo ampla liberdade de
expressão, de modo alheio às funções que desenvolve no sistema de ensino: pode
livremente, sob seu exclusivo juízo, defender concepções ou preferências
ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias, assim como participar
de manifestações, atos públicos, passeatas etc.
Todavia, no âmbito da relação
catedrática, não é lícito ao professor promover atividades que conduzam o aluno
a determinada preferência ideológica, religiosa, moral, política e partidária.
É ilícita, por exemplo, a conduta do professor que, em sala de aula, realiza
proselitismo político-partidário ou incita seus alunos a participarem de
manifestações, atos públicos e passeatas etc. Vale dizer, os temas políticos,
sociais e culturais, durante a atividade escolar, devem ser apresentados aos
alunos de forma equidistante, com as principais versões, teorias, opiniões e
perspectivas concorrentes a respeito.
Malgrado, no entanto, a relevância do
tema, a liberdade de ensinar e aprender, como dimensões da liberdade de
cátedra, os opositores do Programa Escola
Sem Partido, deliberadamente, contrafazem, dissimulam, enganam suas
vítimas, inclusive os dignos professores. Escamoteiam que a liberdade de
cátedra consubstancia proteção do docente contra eventuais pressões de grupos
político-partidários que circunstancialmente dominam o aparelho do Estado,
inclusive órgãos e instituições de ensino, e, a partir desse lugar privilegiado
de poder, afrontam o ordenamento jurídico, impõem pautas político-partidárias,
sociais e culturais aos estudantes.
Pois bem. O Programa Escola Sem Partido visa proteger a liberdade de cátedra, a
fim de que aluno possa receber do professor o conteúdo de informações,
conhecimentos, artes e saberes adequados ao seu pleno desenvolvimento individual,
social e cultural; e o professor possa exercer o seu ofício sem pressões
indevidas de grupos político-partidários que, circunstancialmente, dominam o
Poder Público.
CONCLUSÕES
Postos os argumentos, chega-se às
seguintes conclusões:
1) o Programa Escola Sem Partido já encontra respaldo jurídico na
Constituição Federal, na Convenção Americana dos Direitos Humanos, no Código
Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente;
2) o PLS nº 193/2016, que incorpora o
Programa Escola Sem Partido na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, é perfeitamente constitucional;
3) a aprovação do PLS nº 193/2016
representará segurança jurídica para estudantes, famílias, professores, órgãos
e instituições de ensino contra o aparelhamento político-partidário do sistema
de ensino, que tem ocasionado graves prejuízos ao pleno desenvolvimento
individual, social e cultural dos estudantes brasileiros;
4) o Programa Escola Sem Partido é instrumento de defesa do pleno
exercício da liberdade de cátedra no sistema de ensino brasileiro.
[1][1]
http://www.programaescolasempartido.org/
[2][2]
http://www.escolasempartido.org/apresentacao
[3][3]
http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2016/07/22/interna_politica,786322/projeto-de-lei-para-implementar-escola-sem-partido-tem-consulta-recor.shtml
[4] [4] Arthur
Schopenhauer. Como Vencer um Debate sem
Precisar Ter Razão. Introdução, notas e comentários de Olavo de Carvalho.
Toopbooks, São Paulo, 2003.
[5][5]
http://www.escolasempartido.org/apresentacao
[6][6]
http://www.escolasempartido.org/objetivos
[7][7] George
Orwell. 1984. Companhia das Letras,
São Paulo, 2010.
* Ailton
Benedito de Souza. Procurador da República no Estado de Goiás, onde exerce a
função de Procurador Regional dos Direitos do Cidadão. Ex-Promotor de Justiça.
Ex-Defensor Público. Especialista em Direito e Gestão Ambiental pela ESMPU/UnB.
** Clarisier
Azevedo Cavalcante de Morais. Procuradora da República. Ex-Juíza de Direito do
Rio Grande do Norte. Ex-Advogada da União. Especialista em Direito Público pela
UFCe. Ex-Professora Substituta da UFCe. Ex-Professora da Escola Superior da
Magistratura do RN
*** Douglas
Santos Araujo. Procurador da República. Ex-Procurador do Ministério Público
junto ao TCE/RJ. Mestrando em Direito pela UERJ.
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