O jornal Folha de São Paulo, na edição do dia 23/2/2013, na seção "Tendências/Debates", publicou argumentos favoráveis e contrários às férias de 60 dias para membros do Poder Judiciário, extensíveis aos integrantes do Ministério Público, por força de igual constitucional. Naquela seção, o advogado Sergei Cobra Arbex, em contrário, escrevendo "Não" às férias de 60 dias, pugnou por uma pretensa "Regra única para todos". Enquanto o desembargador Nelson Calandra: Judiciário, favorável, redarguiu para "muito além dos factoides".
Pois bem, é inatacável que as férias de 60 dias aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público são não apenas legais, mas, sobretudo constitucionais, legítimas, perfeitamente adequadas à justiça social – essa fórmula tão cara, que tem sido lugar comum à demagogia palanqueira –. Para os prosélitos dessa verborragia, é fácil, apetitoso, quase orgástico atacar os direitos trabalhistas desses agentes políticos, sem nenhuma consequência, senão "abraçar a galera".
Contudo, para dissimular os assaques – que, verdadeiramente, configuram-se vilipêndios aos fundamentos do Estado de Direito, da Democracia e da República – contra os direitos desses agentes políticos, os acusadores, comodamente encastelados nos Poderes Legislativo e Executivo, e, pasme-se, no Poder Judiciário e Ministério Público, "esquecem-se", desejando que ninguém os lembre, de que o direito a 60 dias de férias integram-se a um regime jurídico bastante mais complexo, compreensivo de deveres e direitos, ônus e prerrogativas, vedações e ações, que vinculam indelevelmente a vida pessoal, familiar e funcional e a cidadania dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público; mas não se impõem, por exemplo, aos servidores públicos em geral, nem tampouco aos trabalhadores regidos pela CLT.
Exemplificativamente, os integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público são atingidos por proibições que não alcançam outros agentes públicos, à medida que são proibidos de: exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; exercer a advocacia perante o órgão do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração; exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista; exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração etc.
Prosseguindo, em confronto com diversas categorias profissionais, integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público não se beneficiam de direitos daquelas, tanto celetistas quanto estatutários: horas extras remuneradas, descanso semanal remunerado, fundo de garantia por tempo de serviço, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, participação em lucros ou resultados do "seu empregador" (Poder Público), duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, seguro contra acidentes, a cargo do empregador etc. Todos, frise-se, direitos que se atribuem, com justeza, aos trabalhadores em geral, os quais, todavia, sonegam-se aos magistrados, promotores e procuradores do Ministério Público.
Cotejando, ainda, com outras categorias profissionais, os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público não se beneficiam de direitos que lhas assistem, malgrado os demagogos finjam-se de cegos, surdos e mudos: eles não têm direito à aposentadoria especial de 25 anos de serviço, igualmente aos delegados, agentes e escrivães de polícia; não podem se aposentar com cinco anos a menos de idade e contribuição, como professores; não lhes é assegurada jornada de trabalho de 4 horas diárias semelhantemente a médicos e advogados; não recebem 14º, 15º salários, nem verba de gabinete, nem plano de saúde integral etc. analogamente aos parlamentares federais.
Entretanto, não se observa nenhum inconformismo daqueles acusadores contra direitos dessas categorias profissionais. Daqueles não se leem alegações de que o caos na segurança pública (50 mil assassinatos por ano) deva-se à aposentadoria especial de delegados, agentes e escrivães. Não se ouvem invectivas contra a aposentadoria antecipada de professores, à conta das mazelas da educação. Não reclamam contra jornada de trabalho de médicos e advogados, entre as causas do caos no SUS e da falta de assistência jurídica aos brasileiros miseráveis. Não denunciam o leque de benefícios dos parlamentares entre as causas de degradação da política, senão, os defendem como garantia do exercício da atividade parlamentar.
A despeito disso, os demagogos de plantão maculam os direitos e prerrogativas dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público de injustos, de privilégios inaceitáveis, de causas de todos os problemas do sistema de justiça. Com isso, almejam fazer crer a sociedade que os deveres e direitos, ônus e prerrogativas, vedações e ações, desses agentes políticos não consubstanciem todo um regime jurídico específico e integral, que abrange, inclusive, o direito de 60 dias de férias. Vislumbram ademais, extinguir, paulatinamente, esse e outros direitos e prerrogativas, sem, correlatamente, diminuir a carga de deveres, ônus e vedações de magistrados, promotores e procuradores do Ministério Público.
Assim, vão-se propagando, tergiversamente, ideias, com o tempo e os sofismas, transformados em senso comum, afinal, ideologia, de que os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público são beneficiários de injustos privilégios que devem ser extintos em prol de uma suposta igualdade, de uma alegada justiça social. No entanto, consoante de vem de expor, não passam de falácia, engodo, mentira, simplesmente, não apenas contra instituições constitucionais indissociáveis do Estado de Direito, da Democracia, da República.
Enfim, deveres e direitos, ônus e prerrogativas, vedações e ações, dos integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público compreendem a própria substância dos mesmos. Dessa feita, o seu o regime jurídico, que, assim, deve ser, responsavelmente, entendido, debatido, tratado e assegurado pela sociedade e pelos Poderes Executivo, Legislativo e os pelo próprio Judiciário e o Ministério Público.
Olá Ailton
ResponderExcluirNão é mais justo que TODOS, independente da classe trabalhista, se enquadrem na "regra única" justamente para evitar distorções como alguns receberem 14º e outros não terem nem mesmo FGTS? Até quando o Brasil se valerá de criar erros para compensar outros erros?
Infelizmente, nossa cultura prega que uns "são mais iguais que os outros", então temos aberrações como aposentadoria especial (contribua com menos e por menos tempo e receba mais), jornada reduzida, cipoal de benefícios que invariavelmente se fundem ao salário principal, abrindo brechas para mais benefícios futuros. Tudo dentro da lei, mas ainda assim aberrações. Como as férias de 60 dias.
A cada nova benesse concedida a um grupo especial nós, do andar de baixo e pagante da fatura, nos distanciamos ainda mais dos nossos líderes e instituições, e somos estimulados a também criar grupos e pressionar por leis que nos beneficiem simplesmente por fazermos parte de tal grupo.
Eu acho que nada é mais democrático, individual e republicano que todos nós sermos iguais em direitos e deveres, e que seu título, suas atribuições, seus poderes e seu salário maior que o meu (de coração, espero que seja! =] ) já sirvam para diferenciar os iguais.
Abraços.
Quanta bobagem! Igualdade é tratar desigualmente os desiguais! Não há igualdade entre professores e juizes, militares e promotores, e uma série de outras profissões. Cada um tem seu complexo de atribuições e sua respectiva e correlta série de direitos. Como os deveres e atribuições nunca serão iguais e terão o mesmo peso, não há como os direitos serem igualados, sob pena, ai sim, de se praticar uma injustiça.
ExcluirOuço muito as pessoas dizerem que, se juizes e promotores estão insatisfeitos com seus salários, com seus direitos, deveriam pedir para sair, pois não são obrigados a ficar. Mas quando a lutar por melhorias é de professores, policiais ou qualquer outra profissão, todo mundo diz que a reivindicação é justa. Ou seja, qualquer opinião sobre a luta de juizes e promotores por melhorias (salarias, de estrutura etc.) é contaminada pelo preconceito e fruto de pura hipocrizia.
Um cidadão só se preocupa se o juiz ou o promotor é bem remunerado e tem uma boa estrutura de trabalho quando precisa dele!
Todo juiz sabe a importância de uma demanda. Qual magistrado não questionou se sua decisão não foi exagerada, se não poderia tirar um mês de pena, ou aumentar o valor de uma indenização, ou mesmo diminuí-la.
ResponderExcluirExcelente texto. Eu acrescentaria que Magistrados e MP não ganham hora extra, por júri até de madrugada, tampouco por plantão e sobreaviso em fins de semana, feriados, de noite, onde poderiam estar com a família. Além disso, não recebem adicional de periculosidade. Promotor ameaçado e escoltado, exerce função perigosa? Por fim, é óbvio, claro que cada categoria tem que ter uma compensação em razão da natureza do trabalho. Professores tem mais de 60 dias de ferias, Policiais Rodoviários Federais fazem 24h x 72h, e assim vai.Só de recesso parlamentar, o congresso tem 54 dias, fora milhares de benefício, e a "assiduidade" pra lá de contestada. Discutir as férias é no mínimo, ser panfleteiro, unilateral, e demagogo.
ResponderExcluirO senhor realmente acredita em tudo o que escreveu? Ja ouviu falar em munus publico, ja se atentou para as prerrogativas que nenhuma outra carreira em qualquer pais do mundo concede?
ResponderExcluirMeu Deus. A expressao do direito a igualdade no Brasil e uma piada!
Desde que entrei na magistratura nunca gozei de fato os 60 dias de férias. Boa parte delas são usadas para reduzir as pilhas de processos, pois sei que no primeiro dia de retorno das férias elas, as pilhas, voltam a aumentar. Trabalho em quase todos os fins de semana e não recebo adicional de 100% sobre a hora trabalhada como todo e qualquer trabalhador, sem falar no adicional noturno, etc. Além disso, como juiz, tenho a obrigação de me manter atualizado em todos os ramos do conhecimento, mas não tenho tempo sequer para ler as revistas especializadaas e artigos jurídicos. Posso até admitir que retirem os 60 dias de férias dos juízes, mas, paralelamente, devem ser estabelecidas novas regras, como por exemplo, que os juízes daqui para a frente fiquem terminantemente proibidos de trabalhar nas suas férias regulamentares de 30 dias; que 15 dias antes das férias cesse o recebimento de novos processos, a fim de que possa, pelo menos em tese, concluir aqueles já recebidos até o início de fruição das férias; seja assegurado um período de 30 dias anuais, independente das férias, para que o juiz atualize e aprimore os seus conhecimentos jurídicos e gerais na sua área de atuação, participando de cursos com carga horária mínima obrigatória. Para concluir, a sociedade precisa saber que nós, juízes, estamos sempre sobrecarregados de serviço, agora somos cobrados por metas e números, enquanto isso ninguém discute a qualidade dos julgamentos. Qualquer juiz poderia julgar até 100 processos num único dia, mas será que estará fazendo Justiça?
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