Aproveitando o ensejo da indicação do Procurador-Geral da República, para o biênio 2019-2021, para tecer alguns breves apontamentos sobre o Ministério Público, o qual integro desde setembro de 2003.
Venho reiterando que a mencionada indicação seria apropriada legitimamente pela sociedade, como nunca antes. Um sinal de tempos e modos, do mundo hiperconectado em redes sociais da internet. Porém, no fluxo contínuo e difuso de bits, bytes, memes, notícias, informações, desinformações, fake news etc., é preciso separar o joio do trigo, a verdade da mentira, o certo do errado...
Então, vamos lá. O Ministério Público do Brasil compreende o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados. É instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ministério Público Federal, Ministério Público Militar, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios constituem-se ramos do Ministério Público da União, tendo por chefe o Procurador-Geral da República. Cada ramo ministerial possui membros, servidores, estruturas, organizações, atribuições, funções próprias. Todos encarregados de cumprir o mandado constitucional, mediante o exercício de funções institucionais:
Constituição
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Ainda, nos termos da Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União):
Ainda, nos termos da Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União):
Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:
a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;
b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;
c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;
d) a indisponibilidade da persecução penal;
e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.
Art. 4º São princípios institucionais do Ministério Público da União a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:
a) a soberania e a representatividade popular;
b) os direitos políticos;
c) os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil;
d) a indissolubilidade da União;
e) a independência e a harmonia dos Poderes da União;
f) a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
g) as vedações impostas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;
II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:
a) ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte;
b) às finanças públicas;
c) à atividade econômica, à política urbana, agrícola, fundiária e de reforma agrária e ao sistema financeiro nacional;
d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente;
e) à segurança pública;
III - a defesa dos seguintes bens e interesses:
a) o patrimônio nacional;
b) o patrimônio público e social;
c) o patrimônio cultural brasileiro;
d) o meio ambiente;
e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso;
IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação;
b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade;
VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei.
Ressalte-se que essas funções institucionais se replicam semelhantemente nos Ministérios Públicos dos Estados. Desse modo, percebe-se estreita correlação entre um mundo praticamente infinito de atribuições do Ministério Público, sintetizado no mandado constitucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos direitos sociais e individuais indisponíveis, e as dimensões gigantescas do Estado brasileiro, que, à luz da texto constitucional, estatizam a vida do cidadão praticamente do pré-natal ao túmulo.
Com efeito, por força das escolhas políticas dos representantes eleitos pelo povo, desde a Constituição promulgada pelo Poder Constituinte de 1988 e das leis infraconstitucionais, aprovadas pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, qualquer ação ou omissão, lícita ou ilícita, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, seus agentes, órgãos, instituições e empresas públicas estão submetidas à fiscalização do Ministério Público.
Mundo de atribuições do Ministério Público, que, afinal, insere-se, no exercício funcional dos membros da instituição, distribuídos numa organização extremamente complexa e difícil de ser compreendida pela sociedade.
Especificadamente, o Ministério Público Federal é estruturado em carreira de membros distribuídos em três níveis: Procuradores da República, que atuam em 1ª instância, Procuradores Regionais da República, que atuam em 2ª instância, e Subprocuradores-Gerais da República, que atuam na 3ª instância, principalmente na Procuradoria-Geral da República. Tendo por chefe o Procurador-Geral da República, indicado pelo Presidente da República e submetido à aprovação do Senado da República.
Resumidamente, o Ministério Público Federal, a fim de proporcionar divisão interna das suas atribuições, organiza-se em áreas temáticas de atuação, desde a Procuradoria-Geral da República, em 7 Câmaras de Coordenação e Revisão, Procuradoria-Geral Eleitoral, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Essa organização, em linhas gerais, replica-se nas unidades da instituição sediadas nos 26 Estados e no Distrito Federal (1ª instância), bem como nas 5 sedes regionais (2ª instância), da seguinte forma:
1ª Câmara - Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral. Educação, saúde, moradia, mobilidade urbana, previdência e assistência social, conflitos fundiários e fiscalização dos atos administrativos em geral.
2ª Câmara – Criminal. Matéria criminal, exceto corrupção, controle externo da atividade policial e sistema prisional.
3ª Câmara - Consumidor e Ordem Econômica. Defesa do consumidor, da concorrência e da regulação da atividade econômica concedida ou delegada, políticas públicas, assistenciais ou promotoras, para o desenvolvimento urbano, industrial, agrícola e fundiário.
4ª Câmara - Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Flora, fauna, áreas de preservação, gestão ambiental, reservas legais, zona costeira, mineração, transgênicos, recursos hídricos e preservação do patrimônio cultural, entre outros.
5ª Câmara - Combate à corrupção. Atos de improbidade administrativa, crimes praticados por funcionário público ou particular contra a Administração em geral, inclusive contra a administração pública estrangeira, crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores.
6ª Câmara - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais. Grupos que têm em comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional majoritária, como, indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas e ciganos.
7ª Câmara - Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional. Regularidade, adequação e eficiência da atividade policial, aprimoramento da persecução penal, preservação dos direitos e garantias constitucionais dos sancionados nas execuções penais.
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Defesa dos direitos do cidadão compreendidos dignidade, liberdade, igualdade, saúde, educação, assistência social, acessibilidade, acesso à justiça, direito à informação e livre expressão, reforma agrária, moradia adequada, não discriminação e alimentação adequada.
Procuradoria-Geral Eleitoral. Intervenção no processo eleitoral, atuando em todas as fases: inscrição dos eleitores, convenções partidárias, registro de candidaturas, campanhas, propaganda eleitoral, votação, diplomação dos eleitos. A intervenção do MP também ocorre em todas as instâncias do Judiciário, em qualquer época (havendo ou não eleição), e pode ser como parte (propondo ações) ou fiscal da lei.
Aqui, mais uma vez, verifica-se estreita correlação entre as imensuráveis dimensões do Estado brasileiro e a organização Ministério Público, inclusive do Ministério Público Federal. Conforme a Constituição e as leis infraconstitucionais, qualquer ação ou omissão, lícita ou ilícita, da União, seus agentes, órgãos, instituições e empresas públicas estão submetidas à fiscalização do Ministério Público Federal.
Destarte, muito além do combate à corrupção, que tem notabilizado o Ministério Público Federal desde o início da Operação Lava-Jato, a sua organização interna evidencia que as atribuições da instituição estão adstritas a tudo que diz respeito a ações, programas e políticas públicas de responsabilidade da União, seus agentes, órgãos e entidades.
Basta ler a Constituição, e onde se identificar alguma competência federal, compreender-se-á pertinente atribuição do Ministério Público Federal. Exemplificativamente: vida, liberdade, igualmente, propriedade, segurança, saúde, previdência, assistência, educação, segurança, transporte, cultura, lazer, trabalho etc. São direitos individuais e sociais de responsabilidade da União. Por conseguinte, qualquer ação ou omissão, lícita ou ilícita, dessa entidade que os afete estão abrangidas nas atribuições do Ministério Público Federal.
Portanto, a leitura reducionista do Ministério Público Federal ao combate à corrupção e, mais ainda, à Operação Lava-Jato, baseia-se em grave equívoco. As ações da instituição, para o bem ou para o mal, repercutem na vida estatizada do cidadão brasileiro do pré-natal ao túmulo.
A Operação Lava-Jato, por seu lado, constitui a mais exitosa atuação de diversos órgãos e instituições estatais, inclusive o Ministério Público Federal, contra a corrução. Revela-se verdadeira mudança de paradigma, ao cumprir os mandados constitucionais de legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade, eficiência no combate à corrupção. Deve ser preservada, defendida, valorizada pelo Estado e pela sociedade.
Porém, a sociedade deve saber que nenhum órgão estatal operará o milagre de acabar as graves mazelas nacionais, cuja gênese, no mais das vezes, está na imensidão do Estado, a qual escancara infinitas oportunidades para corrupção e toda sorte de ilícitos. Alguém, em sã consciência, imagina que, se fosse uma empresa privada, a Petrobras teria sido assaltada durante 13 anos, pela sofisticada organização criminosa que dominou o Brasil?
Assim, tem-se que a diminuição do Estado em favor da expansão sociedade é a medida mais efetiva para prevenir a corrupção, e valorizar a liberdade econômica, social e política do cidadão.
Enfim, independente da necessária redução do gigantismo estatal, a sociedade, que se apropriou legitimamente do processo de indicação do Procurador-Geral da República, precisa diuturnamente realizar controle social do Estado, inclusive do Ministério Público.