sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

“DISCURSO DE ÓDIO” EM 1917...1939… 1984… 2019...


1917. União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os socialistas, na sua guerra assimétrica pelo imaginário coletivo, usando uma forma de “discurso de amor” à pureza e à superioridade da autodenominada “classe proletária”, criminalizavam suposto “discurso de ódio” que imputavam ao “outro”, isto é, aos “burgueses”.

1933. Alemanha. Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, os nazistas, na sua guerra assimétrica pelo imaginário coletivo, utilizando igualmente uma espécie de “discurso de amor” à pureza e à superioridade da autoidentificada “raça ariana”, criminalizavam um inexistente “discurso de ódio” que atribuíam ao “outro”, ou seja, simbolizado nos “judeus”.

1939. Resultados aterradores do pacto de não agressão e de divisão territorial da Europa entre os dois nefastos regimes que se autoproclamavam monopolistas do “discurso de amor”: Segunda Guerra Mundial, estimados 50 milhões de mortos, holocausto de 6 milhões de judeus…

O filósofo Eugen Rosenstock-Huessey, em seu livro A Origem da Linguagem, ensina que “Toda e qualquer ordem política expande o tempo que limita uma pessoa e o espaço que a contém para além dos confins da própria vida. Essa expansão é ‘antinatural’, ‘sobrenatural’, ‘transcendente’ e não se dá automaticamente. Estabelece-se pela devoção e dedicação do homem a essa tarefa imprevista e imprevisível”. 

À luz desse ensinamento, observa-se que o totalitarismo, como ordem política, em qualquer de suas formas, nazista, fascista, comunista, socialista, em seus motivos e consequências, é ‘antinatural’, ‘sobrenatural’, ‘transcendente’, estabelece-se pela devoção e dedicação do homem, sendo a linguagem o lugar de confronto, no qual se definem o bem e o mal, em suas dimensões subjetivas e objetivas, espaciais e temporais. 

1984”. Distopia. “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força”. O romancista George Orwell, em sua magna obra: “Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em que a verdade exista e em que o que for feito não possa ser desfeito: Da era da uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensamento – saudações!”

Em novilíngua duplipensante, ou seja, no âmbito da linguagem, as ordens políticas totalitárias, nazista, fascista, comunista, socialista, desde sua perspectiva subjetiva, desvinculada da realidade objetiva, promovem-se invocando suposto “discurso de amor” à pretensa superioridade e pureza da raça, do Estado, da classe, do partido (nós), que implica, consequentemente, atribuir ao “outro” (eles) o mal absoluto. O outro (eles), sua vez, tem suas vislumbradas reações indexadas preventivamente em “discurso de ódio” contra (nós).

2019. Brasil. Vivencia-se, nesta plaga, uma atualização da guerra assimétrica pelo imaginário, em que a linguagem é o campo de batalha e a novilíngua duplipensante é a arma, da qual o projetil é a rotulagem “discurso de ódio”. Nesse confronto, o establishment político-midiático utiliza os meios de ação ao seu dispor para se autopromover como monopolista do "discurso de amor" consubstanciado na liberdade de informação, conhecimento e opinião; e criminalizar as vozes que considera dissonantes, ou seja, “inferiores”, “impuras”, “mentirosas”, acusando-as de promover “discurso de ódio”.

Com efeito, percebe-se que a internet, a ágora contemporânea, é o espaço da linguagem onde a guerra assimétrica pelo imaginário se desenrola com maior intensidade. De um lado, o establishment político-midiático se utiliza de todos os meios de ação para ameaçar, constranger, silenciar, eliminar qualquer voz que eventualmente represente risco ao seu monopólio do poder de estabelecer, desde a sua visão, o bem e o mal, o certo e o errado, a virtude e o vício, a verdade e a mentira… o "discurso de amor" e o "discurso de ódio".

De outro lado, o ser humano atomizado, débil de meios de ação, todavia, a quem a internet possibilita conectar-se entre si, produzindo e trocando informações, conhecimentos, opiniões, participando ativamente da vida cultural, libertado, por conseguinte, do totalitarismo imposto pelo establishment político-midiático.

A par disso, não se pode negligenciar o extraordinário poder econômico, social e político concentrado nas mãos do establishment político-midiático, que inclui os maiores provedores de aplicações do mundo, os quais mantêm redes sociais na internet em operação no Brasil. Cabe indagar: eles têm o direito de assumir para si o poder de vida e morte civil do ser humano nessa ágora global?

O debate está posto em órgãos e instituições do Estado brasileiro (Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público etc.), bem como em partidos políticos, imprensa, ONGs, movimentos sociais etc.

Porém, a sociedade, especialmente o cidadão comum, não pode alhear-se, negligenciando o risco de que, a pretexto de se combater suposto “discurso de ódio” dos atuais “burgueses”, “judeus”, “impuros”, imponha-se, ainda que dissimuladamente, verdadeira censura ilícita à liberdade de manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação, e ao acesso de todos ao conhecimento e à participação na vida cultural propiciada pela internet

O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO NA INTERNET DURANTE AS ELEIÇÕES


I – INTRODUÇÃO
Assenta-se este artigo na premissa de que as pessoas físicas e jurídicas que operam serviços de internet no Brasil se submetem ao ordenamento jurídico brasileiro.
Cumpre ao Ministério Público brasileiro, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, assegurar que os provedores de aplicações da internet observem e respeitem, efetivamente, ordem soberana nacional, a cidadania brasileira, o pluralismo político, segundo preconizado pelos artigos, 1º, caput e incisos I, II e V, 127, caput, da Constituição Federal; e o artigo 5º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/1993.
Com efeito, impõe-se ao Ministério Público defender os objetivos da República Federativa do Brasil de promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, nos termos do artigo 3º, inciso IV, da Carta Constitucional.
Cabe, ainda, à instituição ministerial atuar em defesa da liberdade de manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação, independentemente de censura ou licença, inclusive nos meios de comunicação social, ao teor dos artigos 5º, incisos IV e IX, e 220, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.
Dentre os instrumentos dispostos ao exercício das suas funções institucionais, as audiências públicas se revelam dos mais relevantes, à medida que servem para ouvir cidadãos, especialistas, entidades, organizações, movimentos sociais, a sociedade em geral etc., a fim de obter elementos aptos a instruir a realização das finalidades da instituição.
A par disso, o Ministério Público Federal, na data de 21 de agosto de 2018, na sede Procuradoria da República em Goiás, realizou audiência pública sobre o tema “CENSURA E FAKE NEWS NA INTERNET”, que interessa sobremaneira à cidadania brasileira, da qual participaram especialistas, órgãos públicos, entidades da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos.
Os elementos colhidos durante a mencionada audiência pública são bastante úteis à compreensão das atividades de provedores de aplicações nacionais e estrangeiros que operam redes sociais na internet, sobretudo os que ofendem ordenamento jurídico nacional, especificadamente criando obstáculos, diretos ou indiretos, ao pleno exercício do direito humano de comunicação, principalmente à liberdade de manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação.
II – LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO NA INTERNET
O Marco Civil da Internet estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial no Brasil e determina as diretrizes para atuação de entes públicos e privados, concernentemente à rede mundial, tendo como fundamento o respeito à liberdade de expressão, forte nos artigos 1º e 2º da Lei federal nº 12.965/2014.
Observa-se, pois, que as referidas normas constitucionais e legais regulam a internet no Brasil, sempre com vistas à liberdade de expressão, ao direito de acesso de todos à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; a impedir a censura bem como a discriminação dos usuários, por motivação racial, filosófica, política, religiosa, sexual etc.
Verificam-se, no entanto, diversas notícias de que provedores de aplicações de internet, principalmente mantenedores de redes sociais, estariam, ilicitamente, impondo censura, bloqueios de acesso, banindo usuários brasileiros, por motivações discriminatórias, o que caracteriza grave violação ao ordenamento jurídico brasileiro. Tais fatos, ressalte-se, constituem objeto de atuação do Ministério Público Federal.
Nessa direção, ganha notoriedade o tema fake news ou notícias falsas, que tem reverberado intensamente nos meios de comunicação. São de amplo conhecimento as notícias de que empresas proprietárias de redes sociais da internet desenvolvem e executam políticas internas com a alegada pretensão de combater supostas fake news, redundando, por vezes, na imposição de restrição de alcance orgânico, censura, bloqueio de acesso e banimento de usuários, numa verdadeira espiral de silêncio, práticas que, é preciso frisar, a mais não poder, ofendem intensamente a Constituição Federal e a legislação brasileira.
Vale salientar que, no Brasil, cerca 7 em cada 10 domicílios têm acesso à internet, há aproximadamente 130 milhões de usuários, para uma população total estimada de 207 milhões de pessoas. Sendo os principais provedores de aplicações mantidos por empresas estrangeiras: Facebook: 127 milhões de usuários; Twitter: 40 milhões de usuários; Youtube: 82 milhões de usuários; e WhatsApp: 120 milhões de usuários.
Trata-se, nesses casos, de corporações empresariais que detêm intenso domínio sobre informações pessoais, familiares, profissionais, comerciais, sociais, culturais etc., e, como efeito, comunicações realizadas por aproximadamente 130 milhões de brasileiros que usam internet, especialmente as redes sociais, para exercer suas liberdades de manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação. Porém, não é negligenciável que, mesmo os brasileiros que não possuem conta de usuário nesses provedores de aplicações são indiretamente influenciados pelo que nelas acontece.
Nesse contexto, diante do extraordinário domínio econômico, comercial, político, social, cultural concentrado nas mãos das empresas proprietárias dos principais provedores de aplicações que mantêm redes sociais na internet em operação no Brasil, cabe indagar: elas têm o direito de assumir para si o poder de vida e morte civil dos cidadãos nessa ágora mundial contemporânea?
III – LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO NA INTERNET DURANTE AS ELEIÇÕES
Neste ponto, é imperioso destacar que o Brasil vivencia, em 2018, momento essencial do Estado Democrático de Direito, qual seja, o processo eleitoral no qual os cidadãos, a grande maioria usuária das redes sociais da internet, escolherão os futuros governantes do país.
Portanto, não existe dúvida razoável sobre a importância das redes sociais da internet para os legítimos protagonistas das eleições: candidatos, partidos, coligações e seus apoiadores divulguem, nas redes, informações, ideias ou opiniões aos cidadãos, enquanto esses recebem elementos bastantes para formar as próprias convicções e fazer suas escolhas político-eleitorais de modo consciente.
Diferentemente, os proprietários das redes sociais da internet não devem ser protagonistas das eleições brasileiras. Destaque-se: não existe lei no ordenamento jurídico nacional entronizando-os como fiscais, curadores, tutores, juízes ou tribunais das eleições brasileiras.
Muito ao contrário disso, inibindo qualquer forma de discriminação ilícita dos usuários, por conseguinte, da cidadania brasileira, o Marco Civil, no seu artigo 2o, caput e incisos II ao VI, estabelece como fundamento da internet no Brasil o respeito à liberdade de expressão, bem como: os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; a pluralidade e a diversidade; a abertura e a colaboração; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; a finalidade social da rede.
Enfatizando esses fundamentos, o Marco Civil, no artigo 3o, inciso IV, institui o princípio da preservação e garantia da neutralidade da rede. Prosseguindo, as normas do artigo 9o, §§ 1o ao 3o, criam deveres de abstenção de causar danos, prestação de informação, transparência, isonomia, não discriminação dos usuários; bem como vedam bloqueio, monitoramento, filtragem ou análise de conteúdo transmitido. Obviamente, esses deveres se impõe também aos provedores de aplicações em geral, inclusive os proprietários de redes sociais da internet.
Ademais, o princípio da preservação e garantia de neutralidade da rede é sobremaneira reforçado pelo Marco Civil, cujo artigo 19, com o intuito de assegurar a liberdade de comunicação e impedir a prática de censura, explícita ou dissimulada, obriga que o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Noutras palavras, o Marco Civil, em função da preservação e garantia de neutralidade da rede, proíbe que os provedores de aplicações realizem diretamente controle relativamente ao conteúdo publicado por terceiros, à medida que condiciona a sua indisponibilidade ao cumprimento de ordem judicial específica; em contrapartida, isenta os mesmos provedores de responsabilidade civil pelo que publicam terceiros.
Diante desse quadro, infere-se que usuários impedidos de exercer a liberdade de manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação, em consequência de suspensão, bloqueio, banimento etc. praticados em redes sociais da internet, têm direito de buscar pronto restabelecimento do serviço, além da reparação dos prejuízos materiais ou morais ocasionados. Nesse sentido, podem promover ação judicial pertinente, por intermédio de advogado constituído, da defensoria pública ou, inclusive, mediante postulação direta (sem advogado) junto aos Juizados Especiais.
Além disso, cuidando-se da finalidade social da internet, os casos de violação de direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos dos usuários de redes sociais ensejam atuação do Ministério Público, entre outros legitimados, a quem compete promover todas as medidas necessárias, adequadas e proporcionais à defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, nos termos da Constituição e das leis.
Noutra perspectiva, malgrado sem prejuízo da aplicação do Marco Civil, o uso da internet durante as eleições é regido por diversas outras normativas. Destacam-se, aqui, especificamente, a Lei das Eleições (Lei federal no 9.504/1997), a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar no 64/1990), bem como o julgamento do Supremo Tribunal Federal que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, proibiu financiamento empresarial de campanhas político-eleitorais.
Cuidando-se especificadamente desse contexto, a Lei federal no 9.504/1997 regula a propaganda eleitoral na internet, especialmente nos seus artigos 57-A a 57-J. Nenhuma dessas normas concede a proprietários de redes sociais da internet poder de fiscais, curadores, tutores, juízes ou tribunais das eleições brasileiras. Incontrastavelmente, os protagonistas da disputa eleitoral são os candidatos, partidos, coligações e, principalmente, os cidadãos, segundados pelos órgãos do Estado encarregados da realização do pleito, principalmente o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral.
A propósito, de forma coerente com o princípio da neutralidade da internet estabelecido pelo Marco Civil, também a Lei das Eleições, no seu artigo 57-D, prescreve que é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta.
Ainda, no seu artigo 57-F, dispõe que se aplicam ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação as penalidades previstas nesta Lei, se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de decisão sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessação dessa divulgação.
Outrossim, a Lei das Eleições, no seu artigo 57-I, ordena que, a requerimento de candidato, partido ou coligação, observado o rito previsto nessa Lei, a Justiça Eleitoral poderá determinar, no âmbito e nos limites técnicos de cada aplicação de internet, a suspensão do acesso a todo conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições desta Lei, devendo o número de horas de suspensão ser definida proporcionalmente à gravidade da infração cometida em cada caso, observado o limite máximo de vinte e quatro horas.
Observa-se, por conseguinte, que as mencionadas regras da Lei das Eleições são de evidência solar, estabelecendo que à Justiça Eleitoral compete decidir acerca de ilicitude de conteúdo de propaganda eleitoral na internet, evidentemente, a partir de provocação dos sujeitos legitimados a tanto. Não se investe esse poder judicante a pessoas físicas ou jurídicas que proveem serviços na rede mundial, muito menos a empresas estrangeiras proprietárias de redes sociais.
Se, eventualmente, mantenedores de redes sociais na internet identificarem alguma violação à legislação eleitoral por candidatos, partidos, coligações, seus apoiadores, bem como usuários em geral, devem encaminhar informações correspondentes às instituições brasileiras responsáveis pela realização do pleito, especialmente ao Ministério Público Eleitoral ou à Justiça Eleitoral.
Impende observar que pessoas jurídicas em geral, legitimamente, atuam conforme seus exclusivos interesses. Contudo, pertinentemente às disputas político-eleitorais, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, concluiu que somente pessoas físicas exercem cidadania, pelo que vedou a possibilidade de que aquelas entidades pudessem continuar financiando campanhas de candidatos, partidos ou coligações.
Consequentemente, e com muito mais razão, essa vedação firmada pelo Supremo Tribunal Federal se aplica a entidades estrangeiras, inclusive às proprietárias de redes sociais da internet. No caso dessas, os impedimentos se revelam ainda mais abrangentes, porquanto são proibidas de patrocinar qualquer tipo de atividade de partidos políticos nacionais, malgrado alheias a disputas eleitorais, por força norma expressa da Constituição Federal, artigo 17, inciso II.
Compreende-se que essa vedação dirigida especialmente a entidades estrangeiras visa preservar sobretudo a soberania nacional e a cidadania brasileira, que se configuram fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1o, incisos, I e II, Carta Magna.
Destarte, é insofismável que caracteriza afronta à ordem jurídica brasileira que pessoa jurídica estrangeira interfira, de qualquer forma, em processos político-eleitorais voltados à composição de Poderes do Estado.
Outrossim, à proporção que proprietários de redes sociais da internet, por atos próprios, supostamente com base das suas políticas internas, independentemente de decisão judicial, arvorem-se detentores do poder de fiscalizar, controlar e punir usuários, a partir do conteúdo de suas publicações, escancara-se um poder absolutista de vida e morte civil dos cidadãos nessa ágora mundial contemporânea. Tratar-se-ia de indisfarçável violência contra a soberania nacional, a cidadania e a dignidade humana, fundamentos do Estado Democrático de Direito fundado pela Constituição Cidadã.
Extrema-se a gravidade dessa violência no contexto de eleições políticas, nas quais os brasileiros elegem seus governantes. Têm-se repetido, com preocupante frequência, notícias de que proprietários de redes sociais da internet, baseando-se nas suas regulações internas, estão infligindo punições, tais como limitação de alcance orgânico, censura, bloqueio de acesso e banimento de usuários brasileiros, chegando ao paroxismo de excluir páginas ou perfis de candidatos, partidos, coligações e seus apoiadores, independentemente de decisão da Justiça Eleitoral, ao arrepio da Constituição, do Marco Civil da Internet e da Lei das Eleições.
Relembrando: está-se cuidando de meios de comunicação utilizados por aproximadamente 7 em cada 10 domicílios brasileiros, em tono de 130 milhões de usuários, para uma população total calculada de 207 milhões de pessoas. Sendo os principais provedores de aplicações mantidos por entidades estrangeiras: Facebook: 127 milhões de usuários; Twitter: 40 milhões de usuários; Youtube: 82 milhões de usuários; e WhatsApp: 120 milhões de usuários.
Trata-se de extraordinário poder dominante de entidades estrangeiras sobre meios de comunicações políticas utilizados pela cidadania brasileira durante o processo eleitoral, especialmente servido à interação de candidatos, partidos, coligações, seus apoiadores e os cidadãos.
Pessoas jurídicas estrangeiras detentoras de tamanho poder, praticamente monopolistas nos seus respectivos domínios, embora sejam proibidas, constitucional e legalmente, de financiar campanhas político-eleitorais, à medida que interfiram nas eleições brasileiras, impondo suas escolhas econômicas, comerciais, ideológicas, políticas, sociais, culturais etc., contra a livre expressão política de candidatos, partidos, coligações, seus apoiadores e, sobretudo, dos cidadãos, são capazes de desequilibrar absurdamente a disputa eleitoral, em benefício de uns e prejuízos de outros, o que não é consentâneo com a soberania nacional, a cidadania brasileira, e o pluralismo político, fundamentos do Estado Democrático de Direito, ao teor do artigo 1º, incisos I, II e V, da Carta Magna.
Nessa hipótese, é tamanha a gravidade das infrações político-eleitorais tipificadas como desvio ou abuso de poder econômico ou utilização indevida de veículos e meios de comunicação social, que o ordenamento jurídico brasileiro prevê sanções severíssimas, de natureza civil, criminal e eleitoral, chegando até mesmo à cassação de mandato de eventuais beneficiados, com inelegibilidade por 8 (oito) anos, com base na Lei Complementar nº 64/1990, artigos 1, caput, inciso I, alínea “d”, 19, parágrafo único, e 22, caput, incisos I ao XVI.
IV – CONCLUSÃO
Admitir-se que provedores de aplicações de internet, nacionais ou estrangeiros, proprietários de redes sociais, por ato próprio, possam cometer algum tipo de restrição de alcance, censura, bloqueio de acesso e banimento etc., contra usuários brasileiros em geral, e, principalmente, a candidatos, partidos, coligações, seus apoiadores e cidadãos, em decorrência de comunicação de natureza política, durante a disputa eleitoral, significa: violentar a soberania nacional, a cidadania brasileira, o pluralismo político; vilipendiar as liberdades humanas de manifestação de pensamento, ideias e informações; degradar sobremaneira o Estado Democrático de Direito.
Posto isso, é imprescindível que candidatos, partidos e coligações, como também Ministério Público Eleitoral provoquem a Justiça Eleitoral, a fim de impedir que proprietários de redes sociais da internet que operam no Brasil, inflijam, diretamente, sem prévia decisão específica da Justiça Eleitoral, qualquer tipo de limitação ou obstáculo à livre circulação de informações, ideias ou opiniões de natureza política no curso da disputa eleitoral.
Bastante a propósito, vem a calhar uma adaptação de famoso texto de Martin Niemöller, pastor luterano alemão, conhecido pelo seu discurso antinazista, largamente adaptado e parafraseado, conhecido no Brasil como E não sobrou ninguém....
Um dia vieram e silenciaram meu vizinho que era judeu.


Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e silenciaram

meu outro vizinho que era comunista.

Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram
e silenciaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me silenciaram;
já não havia mais vozes para reclamar…